Wiliam Carey é considerado o pai
das missões Protestantes, primariamente pelo fato de ter ele fundado a
Sociedade Missionária Batista. Tal sociedade teve seu início em 1792, 275 anos
após Martinho Lutero ter afixado as Noventa e Cinco Teses à entrada da Igreja
de Wittemberg em 1517. Essa sociedade foi um veículo Protestante para o envio
de missionários ao mundo não-cristão. Carey, contudo, não inventou o movimento
missionário Protestante. Ele construiu a plataforma da qual o movimento
missionário Protestante tinha lançado, de uma série de pranchas cortadas
durante séculos, entre Lutero e ele. Uma dessas pranchas foi o Pietismo, um
movimento evangélico interdenominacional e internacional, que procurava
revitalizar a igreja existente, através de pequenos grupos dedicados ao estudo
da Bíblia, oração, responsabilidade mútua e missões. August Hermann Francke
definiu a agenda do Pietismo em apenas doze palavras: “uma vida mudada, uma
igreja reavivada, uma nação reformada, um mundo evangelizado”. O Pietismo
primeiramente despertou uma visão missionária entre os protestantes, enviando
missionários para a Índia e Groelândia.
Duas outras pranchas significativas na plataforma de Carey
foram a Igreja Moraviana e os Puritanos. Os Moravianos foram os primeiros
Protestantes a colocar em prática a idéia de que a evangelização dos perdidos é
dever de toda a igreja, e não somente de uma sociedade ou de alguns indivíduos.
Anteriormente, a responsabilidade pela evangelização havia sido lançada nos degraus
dos governos, através das atividades colonizadoras deles. Os Moravianos,
contudo, criam que as missões são responsabilidade de toda a igreja local. Paul
Pierson, missiólogo, escreveu: “Os Moravianos se envolveram com o mundo de
missões como uma igreja, isto é, toda a igreja se tornou uma sociedade
missionária”. Devido ao seu profundo envolvimento, esse pequeno grupo ofereceu
mais da metade dos missionários Protestantes que deixaram a Europa em todo o
século XVIII.
De fato a história dos Moravianos antecede à Reforma.
Conhecidos originalmente como os Unitas Fratrum, ou a Unidade dos Irmãos, esses
cristãos Checos foram os seguidores do mártir John Huss, um Reformador antes da
Reforma. Ele foi martirizado em 6 de julho de 1415, e os Moravianos honram sua
morte no calendário deles ainda hoje.
Após a morte de Huss, seus seguidores, que foram muitas
vezes conhecidos como Hussitas, ou como os Irmãos Boêmicos, experimentaram um
verdadeiro ressurgimento. Eles se reorganizaram no ano de 1457, e no tempo da
Reforma havia entre 150 a 200 mil membros em quatrocentas igrejas por toda a
Europa Central. Mas, no levante das guerras dos 1600, a Boêmia e Morávia
(República Checa) foram dominadas por um rei católico romano, o qual
desencadeou uma terrível perseguição contra os Moravianos. Quinze de seus
líderes foram decapitados. Os membros da igreja foram mandados para os
calabouços e para as minas para trabalhos forçados. As escolas deles foram
fechadas. Bíblias, hinários, catecismos e escritos históricos foram totalmente
queimados. Foram todos espalhados. De fato, 16 mil famílias, repentinamente, se
tornaram refugiadas. Por quase cem anos procuravam fugir da perseguição. Por
causa disso formaram uma poderosa rede de cristãos “clandestinos” através de
pequenas células.
Anos mais tarde, em 1722, um pequeno grupo desses
refugiados estava à procura de algum lugar onde pudesse se sentir seguro.
Quando cruzaram a divisa da Alemanha, ouviram de um lugar conhecido como
Herrnhut, uma pequena faixa de terra na propriedade de Nicholas Ludwig von
Zinzendorf. Pediram se podiam ficar ali. Zinzendorf não estava no momento, mas
o administrador lhes permitiu acampar-se no sítio.
Zinzendorf, um aristocrata, tivera ligações anteriores com
o movimento Pietista. Seu padrinho fora Philip Spener. Quando tinha dez anos
foi enviado para estudar em Halle, onde seu professor fora August Hermann
Francke. No período que lá estivera, seu mentor foi Bartholomew Ziegenbalg , o
primeiro missionário Protestante para a Ásia, que estava de férias (tipo de ano
sabático).
Zinzendorf descreveu sua vida em Halle da seguinte
maneira: “Encontros diários na casa do professor Francke; relatórios
edificantes concernentes ao reino de Cristo; conversa com testemunhas da
verdade em regiões longínquas; contato com diversos pregadores; luta dos
primeiros exilados e prisioneiros. A satisfação daquele homem de Deus e a obra
do Senhor juntamente com várias provações que o envolveram, fizeram crescer meu
zelo pela causa do Senhor de uma maneira poderosa”.
Enquanto Zinzendorf esteve em Halle, foi um instrumento na
formação da primeira sociedade missionária de estudantes Protestantes chamada
de a “Ordem do Grão de Mostarda”. depois disso foi para Wittemberg para estudar
Direito devido seus pais não aceitarem a idéia de ele se tornar um pregador.
Quando concluiu o curso de Direito, fez uma grande viagem turística pela
Europa, o que era comum para os membros da aristocracia daqueles dias. Como
parte dessa viagem, foi a um museu de arte em Dusseldorf, Alemanha, e lá viu um
quadro do “Cristo de Coroa de Espinho”, com a seguinte inscrição: “Eu fiz isto
por ti; o que fazes tu por mim?”.
Isso lhe causou uma profunda impressão e o levou a
escrever em seu diário: “Tenho amado-o por longo tempo, mas realmente nada
tenho feito por ele. De agora em diante farei tudo que me seja dado fazer”.
Voltou para Herrnhut para onde os refugiados Moravianos formaram uma comunidade
com cerca de trezentos membros. Zinzendorf assumiu a responsabilidade, não
apenas supervisionando como dono da terra onde viviam, mas sim para lhes servir
de pastor. Em 1727 um derramar do Espírito de Deus uniu a comunidade.
Cinco anos mais tarde, em 1732, Zinzendorf foi convidado a
assistir a coroação do rei Dinamarquês (ele estava ligado à família real na
Dinamarca). Enquanto lá, descobriu o produto das missões Dinamarca-Halle:
alguns convertidos Esquimós da Groelândia e uma pessoa convertida do Oeste da
Índia, um primeiro escravo cujo nome era Anthony. Tais pessoas fizeram um apelo
a Zinzendorf: “Você não pode fazer alguma coisa para nos enviar como
missionários?”. Seu coração ficou muito quebrantado. Voltou para a comunidade e
lançou diante dela o desafio para o envio de reforços missionários para a
Groelândia, Índia e outras partes do mundo onde pessoas não conheciam a Cristo.
Vinte e seis pessoas imediatamente se ofereceram como voluntárias, e, assim, o
Movimento Missionário Moraviano foi lançado. Nos vinte e oito anos seguintes
mais do que duzentos missionários Moravianos entraram em mais de doze países
para implantação de trabalho missionário em torno do mundo.
O trabalho dos Moravianos foi guiado por um número de
características que os distinguiram. Primeiro, eram profundamente dedicados ao
Senhor Jesus Cristo. Eram extremamente cristocêntricos. Numa certa ocasião, quando
eu ministrava na Nicarágua, os cristãos Moravianos me deram uma placa de
madeira com o selo de sua igreja. Traz um Cordeiro triunfante do livro de
Apocalipse. Diz assim: “Nosso Cordeiro venceu; vamos segui-lo”. Os Moravianos
pregavam Cristo. Zinzendorf aconselhava os missionários que saíam: “Vocês devem
ir, direto, ao ponto e falar-lhes a respeito da vida e da morte de Cristo”. Os
missionários primitivos tinham o costume de elaborar provas da existência de
Deus, como se estivessem dando palestras teológicas.
Zinzendorf apelou aos missionários para que simplesmente
lhes contassem a história de Jesus. Há inúmeros relatos de como aquela história
despertou corações dormentes que foram trazidos ao Salvador; segundo, os
Moravianos, diferentemente dos pietistas primitivos, não eram altamente
educados nem teologicamente treinados. Eram comerciantes. De fato, os dois
primeiros missionários que foram enviados eram coveiros por profissão! As
próximas duas pessoas que enviaram, um era carpinteiro e o outro, oleiro. Os
Moravianos abriram o ministério ao leigo e a ministração às mulheres,
antecipando J. Hudson Taylor nessa questão mais de cem anos antes; terceiro,
criaram a estratégia missionária de fazedores de tendas (o missionário
trabalhar e se auto-sustentar no país). Muitas pessoas pensam que o sistema de
fazedores de tendas é coisa recente. Mas o movimento missionário Moraviano se
baseava nisso. Além do mais, como pode uma vila de seiscentas pessoas sustentar
duzentos missionários? Resposta: Eles trabalhavam para a sobrevivência.
Zinzendorf dizia que trabalhar em fazenda e indústria prende muito as pessoas,
mas o comércio lhes daria mais flexibilidade. Ele sentia que a prática de
trabalho e o ensino que podiam dar nessa área não apenas levantaria o nível
econômico do povo para onde eram os missionários enviados, mas também proveria
meios de se fazer contato com aquela gente. O livro 'Lucro para o Senhor'
relata como os Moravianos usaram o fazer tendas como estratégia para o trabalho
missionário em meados de 1700; quarto, os Moravianos foram as pessoas que
viviam na periferia da sociedade.
Devido aos Moravianos terem sido pessoas sofredoras,
podiam facilmente se identificar com aqueles que sofriam. Eles iam àqueles que
eram rejeitados por outros. Dificilmente qualquer missionário seria mandado
para a costa leste de Honduras ou Nicarágua. Essas partes da América Central
eram inóspitas. Lá, contudo, estavam os Moravianos.
Isso era característico da vocação missionária deles;
quinto, eles se dirigiam a pessoas receptivas. Devido ao fato de os Moravianos
crerem ser o Espírito Santo o “Missionário” primário, aconselhavam seus
missionários a “procurarem as primícias. Procurarem aquelas pessoas que o
Espírito Santo já havia preparado, e trazer-lhes as boas novas ”; sexto, eles
colocavam o crescimento do reino de Cristo acima de uma expansão
denominacional. Zinzendorf não pretendia exportar as divisões denominacionais
da Europa. Ele se tornou um pioneiro ecumênico (entre cristãos), no melhor
sentido do termo, 150 anos antes de qualquer um imaginar tal possibilidade;
sétimo, a obra missionária Moraviana era regada de oração. Quando o avivamento
espiritual ocorreu em 1727, começaram uma vigília de virada de relógio, vinte e
quatro horas por dia, sete dias por semana, trezentos e sessenta e cinco dias
por ano. O livro devocional conhecido como Lemas Diários, que ainda tem sido
publicado pela Igreja Moraviana, era o devocional mais amplamente usado entre
os cristãos europeus. O ministério Moraviano era fortemente regado por oração
(tiveram uma vigília de oração que durou um tempo de 100 anos literalmente -
nota do tradutor).
Os Moravianos
tinham trabalho missionário no Estado da Geórgia devido ao General Oglethorpe
ter sido influenciado por Zinzendorf, que fazia parte de um grupo missionário
de estudantes que começou em Halle. Quando João Wesley viajou para os Estados
Unidos, seu navio enfrentou uma terrível tempestade. Wesley ficou
super-abalado. Somente os Moravianos, que se mantinham num senso de paz com
Deus, lhe encorajaram no pânico. Foram eles que lhe apresentaram a necessidade
de um relacionamento pessoal com Cristo. Retornando para a Inglaterra, após um
trabalho frustrado na Geórgia, disse: “fui para converter os índios, mas, quem,
ó quem me converterá?” Ele foi para uma reunião num encontro de Aldersgate - um
encontro dos Moravianos - durante o qual seu coração, segundo ele, foi
“estranhamente aquecido” e assim encontrou segurança para a sua salvação. Foi
para Herrnhut a fim de examinar o trabalho Moraviano, e, como resultado, ele
padronizou a obra do Metodismo no modelo Moraviano. Assumiu como moto as
palavras de Zinzendorf: “o mundo é minha paróquia”.
Os Moravianos
também exerceram uma forte influência sobre William Carey, o qual teve grandes
dificuldades em gerar sustento para a idéia de uma sociedade de missões. Aqui
está um relato de como a fundação da sociedade missionária veio a acontecer.
Numa noite, um pequeno grupo de 12 ministros e um leigo se reuniu com William
Carey na espaçosa casa da viúva Wallace, conhecida por sua hospitalidade como a
Hospedeira do Evangelho.
Novamente, Carey fez pressão para a ação. Mas, novamente
os irmãos oscilaram. Afinal, quem são esses homens? Ministros de Igrejas de
pobres-feridos, para sustentar uma missão, tão assediadas de dificuldade, tão
cheias de incertezas. No momento crucial, quando todas as esperanças pareciam
se esvair, Carey tirou do bolso um livreto intitulado Periódico de Contos das
Missões Moravianas. Com lágrimas nos olhos e com voz trêmula, afirmou: “se
vocês apenas tivessem lido isto e soubessem como esses homens venceram todos os
obstáculos por amor a Cristo, dariam um passo de fé”.
Foi a gota d’água!
Os homens concordaram em agir. As atas da reunião registram a decisão deles de
formar “A Sociedade Batista Particular para Propagação do Evangelho entre os
pagãos”, também conhecida como a Sociedade Batista Missionária. Sua força
repousa na motivação provida pelo relato dos missionários Moravianos.
Alguém, certa vez,
perguntou a um Moraviano o que significa ser um Moraviano. Ele respondeu: “Ser
um Moraviano e promover a causa global de Cristo são a mesma coisa”.